Europa antes da Dupla Revolução - O "Ancien Régime"

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A Europa Antes da Dupla Revolução – O Ancient Régime
Resumo de aula de História – Prof. Robert Weiner

Por Divad Wathils


Passados os tempos medievais, mudanças substanciais ocorreram na Europa desde a Renascença Italiana até a Revolução Francesa (ou a Dupla Revolução para usar o termo cunhado por E. J. Hobsbawm). Mesmo assim a Europa ainda continuava a ser tipicamente medieval, especialmente para aqueles desprovidos de um bom leito no nascimento, ou seja, entre 75% a 90% de sua população. O Velho Mundo era predominantemente agrário, os fazendeiros praticavam agricultura de subsistência, e as técnicas agrícolas usadas não tinham evoluído muito desde o fim do Império Romano. Fome e doenças eram comuns. “A vida ainda era indecente, brutal e curta” dizia Thomas Hobbes no século XVII.

Como resultado disto, o sistema social da Europa era “tradicional”, com a população dividida em castas, chamados de “estados”: O primeiro estado era o clero, o segundo a aristocracia e a nobreza, e o terceiro era a burguesia, os camponeses, os artesãos, trabalhadores urbanos e o resto do povo. Mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, esmagadora parcela da população era rural. Os camponeses formavam 75% da população na Inglaterra e 97% na Rússia, e era para eles que a vida era mais difícil. A servidão era prática comum, incluindo penas semelhantes as infligidas aos negros desobedientes nas Américas, este sistema vigorou até 1848 em partes da Prússia, no Império Austro-Húngaro e até 1863 no Império Russo.

Clero e aristocracia representavam, na maioria dos países, não mais que 5% da população cada. E viviam em um mundo à parte com costumes, privilégios, obrigações, e mesmo leis diferentes. Havia uma diferença enorme entre eles e o Terceiro Estado. As classes médias eram também um pequeno grupo, embora estivessem crescendo tanto em tamanho como em importância, na Europa Ocidental. A despeito deste crescimento, um status maior e o acesso à riqueza, ainda dependiam de sorte no nascimento e não de mérito.

Na parte Oriental da Europa o tempo havia parado, era comum o tipo de vida medieval na Romênia, Bulgária, Sérvia, partes da Polônia.

No campo político, a maior parte dos Estados eram soberanos e territoriais, mas não eram estados “nacionais”, pois não eram estados-nação. Nos seus territórios estavam compreendidos vários povos, identificados por raças, línguas e costumes diferentes. Não havia ainda sido inculcado no povo a noção de nação. Os habitantes eram súditos e não cidadãos.

Os estados eram, em geral, monarquias absolutas, e o poder real era emanado de Deus, ou resultado do direito natural, e não havia separação entre os bens do rei e do Estado. “Eu sou o Estado, o Estado sou Eu. Ele é uma extensão de minha pessoa”, disse Luís XIV, o Rei Sol, da França, no século XVII. Estes regimes eram sustentados pela aristocracia, clero e pela ainda incipiente burguesia.

No século XVIII muitos estados já haviam se tornado constitucionais. O mais importante destes era a Grã-Bretanha, que evoluiu da Revolução Gloriosa (ou ainda Revolução sem Sangue) no ano de 1688. Havia ainda repúblicas como a Holanda, sem monarcas mas com aristocracia, criada com a Paz de Münster, em 1648, cujos governadores eram descendentes de Guilherme de Orange, herói da revolta contra os espanhóis.

Grande parcela da população européia era religiosa, profundamente supersticiosa e analfabeta. Mesmo o clero, incluindo o padre da cidade, mal sabia ler ou escrever. O camponês mal saía da propriedade de seu patrono, muitos nem conheciam o condado ao lado. Qualquer um que se aventurasse fora de sua área era visto como um estrangeiro.

Apesar disto, a era anterior ao século XVIII, precisamente do século XIV ao XVII, foi de mudanças rápidas, com o Iluminismo Italiano se espalhando pelo norte, centro e oeste do continente, dando ênfase ao ensino clássico, crítica aos textos, propagando idéias como o secularismo, individualismo e até humanismo. Claro que estas idéias só chegavam aos ricos, os pobres não tinham tempo para perder aprendendo novas coisas.

A Reforma Protestante, que perdurou do início do século XVI até a metade do século XVII, destruiu a unidade da civilização católica medieval. A Reforma desafiou muitas das crenças existentes até então, criou uma guerra sangrenta em que nenhum dos lados pode sair vencedor. Em decorrência disto, surgiu a necessidade da tolerância religiosa com a possibilidade de convivência de múltiplas crenças e verdades (agora relativas).

A revolução científica, ou a Era da Razão, como geralmente é conhecido o século XVII, trouxe um sentimento de poder às elites educadas, dando-lhes um entendimento maior do universo e mais metodologias científicas modernas. O progresso foi possível e o futuro tornou-se mais importante que o passado. Antes do século XVII a Europa já era militarmente superior ao oriente, mesmo quando comparada aos chineses, embora estes possuíssem maior desenvolvimento tecnológico. Somente nesta época a Europa consegue equiparar-se e ultrapassar, tecnologicamente, os países asiáticos.

No século XVIII as forças da mudança eram grandes e importantes, isto era evidente na área econômica: especialmente na Grã-Bretanha, Holanda e França o comércio se ampliava e criava uma riqueza viva. Onde o capitalismo comercial era mais forte, uma indústria manufatureira, dominada pelos mercadores capitalistas, se expandia. Uma melhora significativa nas técnicas agrárias, principalmente nos Países Baixos e Grã-Bretanha, começou a gerar excessos de produção de alimentos. Este excesso possibilitou o crescimento urbano. Entre 1760 e 1780 um processo que veio a ser chamado de Primeira Revolução Industrial estava sendo gerado na Grã-Bretanha.

As mudanças econômicas trouxeram incremento às mudanças sociais, especialmente o crescimento de uma classe média (ou classes médias), quanto maior o crescimento econômico, maior a classe média. Com o aumento do dinamismo e a competição entre os estados, eles se tornaram mais eficientes e centralizados, e muitos dos líderes do século XVIII, chamados déspotas esclarecidos, perceberam que o estado não era só uma extensão de sua personalidade.

O impacto cumulativo das mudanças culturais, econômicas e sociais produziu um rico e variado movimento cultural que chamamos de “Iluminismo” (Erklärung). Os iluministas acreditavam que um governo existia para servir aos propósitos dos governados. Eles deveriam ser eficientes e tolerantes. Acreditavam ainda que o progresso era possível e necessário, que as instituições deveriam se sujeitar ao escrutínio da razão, e que a educação poderia trazer mais felicidade.

As mudanças sociais e políticas se espalharam na Europa geralmente com mais intensidade do ocidente para o oriente e dos Estados setentrionais para os meridionais. Estados altamente competitivos tinham noção tácita de que no continente existia um sistema de equilíbrio de poder, através do qual buscavam evitar a hegemonia de um único Estado ou uma “Monarquia Universal”. Na metade final do século XVIII existiam na Europa cinco grandes potências: Grã-Bretanha, França, Prússia, Áustria e Rússia, sendo a primeira delas a mais dinâmica e a maior do mundo, a França era a mais forte potência continental. O Império Austríaco, cujo monarca Habsburgo era ainda senhor de cerca de 330 insignificantes Estados germânicos (conhecido como o Sacro Império Romano-Germânico), servia como contra-peso histórico às ambições francesas a oeste e otomanas a leste. A Prússia estendeu seu poderio militar e econômico sob o comando de Frederico, o Grande, monarca Hohenzollern que reinou de 1740 a 1786.

Mesmo com muitos europeus ainda vivendo de uma maneira profundamente tradicional, com visão limitada do mundo, alguns já estavam vivendo num mundo muito mais moderno e dinâmico. Neste momento uma grande mudança era inevitável.

0 comentários: